Cerimónia do 25 de Abril inicia-se na Assembleia da República

Os 46 anos do 25 de Abril vão ser hoje celebrados de forma diferente devido à pandemia de Covid-19. Sem o tradicional desfile, com uma sessão solene reduzida no Parlamento e com um apelo para que os portugueses cantem a “Grândola” à janela.
A Associação 25 de Abril cancelou o habitual desfile na Avenida da Liberdade, em Lisboa, e fez um apelo para que os portugueses confinados em casa vão à janela pelas 15:00 e cantem a “Grândola Vila Morena”, de Zeca Afonso, repto a que já se associaram vários partidos, como BE, PCP e PAN.
A Assembleia da República, que já está a funcionar com restrições desde meados de Março, – com um quinto dos deputados (46) em dia de debates e 116 parlamentares quando há votações – espera juntar hoje menos de cem pessoas entre deputados, convidados e funcionários na sessão solene, contra as cerca de 700 que estiveram nas comemorações do ano passado.
Nas bancadas, estarão, se todos os partidos cumprirem o combinado, 46 deputados, um por cada ano sobre a data da Revolução: 19 do PS, 13 do PSD, quatro do BE quatro do PCP, e um parlamentar por cada um dos restantes partidos – CDS, PAN, PEV, Chega e Iniciativa Liberal -, a que se soma a deputada não inscrita Joacine Katar Moreira.
O Governo apenas terá quatro elementos na sua bancada: o primeiro-ministro, António Costa, a ministra de Estado e da Presidência, o ministro da Defesa Nacional e o secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares.
Os convidados, que deverão ser menos de duas dezenas, irão sentar-se nas galerias e não no espaço entre as bancadas dos partidos e do Governo.
A sessão arrancará pelas 10:00 com a intervenção do presidente da Assembleia da República, Eduardo Ferro Rodrigues, e encerrará com a do Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa.
Pelo PS discursará a líder parlamentar, Ana Catarina Mendes, pelo PSD o presidente do partido e da bancada, Rui Rio, pelo BE o deputado Moisés Ferreira, pelo PCP o secretário-geral, Jerónimo de Sousa, enquanto o CDS-PP não revelou quem representará o partido na sessão solene.
As restantes forças políticas apenas terão um parlamentar cada, que farão as intervenções: pelo Partido Ecologista “os Verdes” o líder parlamentar José Luís Ferreira, pelo PAN a presidente da bancada Inês Sousa Real, pelo Chega o deputado único André Ventura e pela Iniciativa Liberal o também deputado único João Cotrim Figueiredo.
Minuto de silêncio, a pedido do presidente da Assembleia da República
Ferro Rodrigues já discursa. A seu pedido, o hemiciclo cumpre um minuto de silêncio pelas vítimas do covid-19.
“Mesmo em Estado de Emergência, a Assembleia da República não deixou de funcionar, não fechou as suas portas.
Enquanto órgão de soberania, e no uso das competências constitucionais, a Assembleia da República manteve intactos os seus poderes, determinantes para a resposta a esta crise.”
“Manter o Parlamento aberto para “evitar sementes de qualquer alternativa antidemocrática”
Ferro Rodrigues diz que “celebrar – não festejar – o momento fundador do nosso regime na Casa da Democracia é, também, mostrar, no presente e para o futuro, que, independentemente das circunstâncias, mesmo as mais extraordinárias, mesmo em estado de emergência como o que vivemos, a Democracia e o Parlamento dizem Presente”.
E o Parlamento disse “presente” para “garantir que as crises nunca servirão de pretexto para lançar as sementes de qualquer alternativa antidemocrática”.
“A Liberdade não está só a passar por aqui: a Liberdade é aqui e agora.”
Deputado da Iniciativa Liberal lê carta ao filho, que faz hoje 18 anos
João Cotrim Figueiredo, deputado da Iniciativa Liberal, lê uma carta que endereçou a um dos seus quatro filhos. “Nasceste a 25 de Abril, uma coincidência feliz, para que nunca dês a liberdade por garantida”, afirma o deputado.
“Entrei na Iniciativa Liberal para defender o liberalismo que em Portugal não tinha voz. Foi para isto que se fez o 25 de Abril, para te libertar de uma ditadura, sim, mas acima de tudo, para te libertar de tudo e de todos os que não te deixam procurar aquilo que livremente desejas. ” o que não permite a liberdade, diz ainda.
“Luta por ti, pelos jovens como tu, pelos que serão como tu, pelos que já foram como tu e também pelos que não pensam o mesmo que tu. Nunca desistas de melhorar o Mundo à tua volta, à tua maneira, com a ajuda dos teus ou sozinho se tiver mesmo de ser”.
Deputado do Chega diz que é preciso a 4ª República
“Queremos outro 25 de Abril, queremos outra República, queremos a quarta República portuguesa”, diz André Ventura, líder e deputado único do Chega. Diz que Portugal tem de mudar de regime porque ainda é das nações mais corruptas, nos critérios da OCDE. Mais um momento aproveitado para referir que Portugal é um país que “paga subvenções vitalícias a quem roubou o Estado”.
PEV: “É preciso achatar a curva das desigualdades”
José Luís Ferreira, do PEV diz que “nunca é demais sublinhar a importância do SNS e dos seus profissionais e alertar para a necessidade do seu reforço e a valorização dos seus profissionais”.
O deputado é o primeiro a dizer “Fascismo nunca mais”. José Luís Ferreira diz que, depois de se achatar a curva da pandemia, será necessário achatar “outras curvas”. “É preciso achatar depois a curva das desigualdades, sobretudo a pensar nos trabalhadores que ficaram sem trabalho e que viram os seus rendimentos reduzidos. É preciso achatar a curva do tratamento entre os bancos e os contribuintes, mas também é imperioso achatar a curva da emergência climática. Impõe-se um regresso à razão e aos valores de Abril.”
PAN: “Abril está por cumprir”
Inês Sousa Real, líder parlamentar do PAN aponta que “Abril está por cumprir nos seus princípios fundamentais como o princípio da igualdade” porque “apesar do caminho até aqui feito, nem todas as pessoas têm a mesma dignidade social ou são tratadas como iguais”.
“O rosto da violência doméstica continua a ser marcadamente feminino. Para o desempenho do mesmo trabalho, as mulheres recebem menos que os homens e, apesar de mais habilitadas, têm mais dificuldade em chegar aos lugares de topo e continuam a estar subrepresentadas nos principais cargos políticos”, acrescenta.
Para o PAN. Abril está ainda “por cumprir” no “acesso à Justiça”. “A defesa dos direitos e interesses protegidos pela Constituição é tratada como um luxo, pondo em causa o acesso ao Direito e, em contrapartida, não investindo num combate sério à corrupção”.
CDS: “Não aceitamos lições de democracia de ninguém”
“O CDS é um dos quatro partidos históricos da nossa democracia e a voz representativa da Democracia Cristã, neste hemiciclo, desde as primeiras eleições livres. Não aceitamos lições de democracia de ninguém”, afirma Telmo Correia.
Porque “com esta cerimónia, em estado de Emergência, o que o poder político está a dizer é que permite para si mesmo, aquilo que proibiu aos portugueses”.
E ainda “que não respeita para si próprio, o que exigiu ao povo – isolamento e confinamento”.
Jerónimo exige: “A resposta às dificuldades passa por valorizar salários”
O líder comunista diz que “não é inevitável que o surto epidémico se traduza em regressão na vida dos trabalhadores e povo”. “A resposta às dificuldades passa por valorizar salários e por políticas dirigidas à defesa e criação do emprego”, afirma.
O líder do PCP denuncia ainda que “habituados a ter o seu lugar reservado à mesa do Orçamento do Estado – os grandes grupos económicos e financeiros – aí estão já a reclamar milhões aos cofres públicos”.
“Dizem-nos que estamos todos no mesmo barco. Os mesmos que estão na origem das gritantes desigualdades existentes, passaram a arvorar-se campões do consenso nacional. Não, os portugueses não estão todos nas mesmas condições, não estão os que permanecem de cofre cheios e os que empobrecem trabalhando e se endividam. Os que estão em Lay-off e no desemprego. Os que trabalharam uma vida inteira e têm parcas reformas e pensões, porque sempre tiveram baixos salários. Não estão muitos pequenos e médios empresários”.
E – afirma ainda – “não estão aqueles que continuam a colocar milhões na Holanda e nos offshore para fugir ao fisco e aqueles que vão passando de emprego precário em emprego precário e sem meios de vida”.
Bloco avisa que recusa soluções austeritárias: “Não voltaremos atrás”
Moisés Ferreira discursa em nome do Bloco de Esquerda que “Abril é que combate a epidemia, não é a epidemia que combate Abril”.
“A crise sanitária mostrou como a Saúde é um bem público. Mostrou como o direito à protecção da saúde é absolutamente central, como absolutamente central é também o Serviço Nacional de Saúde, filho da Revolução de 1974”, afirma.
O deputado elogia ainda implicitamente o facto de o Parlamento ter reunido para celebrar a data: “Mostramos que o 25 de Abril não ficou em suspenso nem ficou adiado”.
O Bloco reafirma também que recusa para a luta contra a crise económica em que o covid-19 lançará o país que recusa as soluções da troika entre 2011 e 2013.
“Aos que começam a espreitar a oportunidade de desenterrar a velha cartilha da austeridade o país responderá com estas lições” porque “se tivéssemos hoje menos SNS como sempre propuseram, estaríamos desgraçados”.
Ou seja: “Se tivesse sido tudo entregue ao mercado, como tanto queriam, a população não teria resposta na área da saúde.”
“Não voltaremos atrás, ao tempo em que se tirou mais de mil milhões de euros ao SNS e em que a direita que “queria ir além da troika” advogava a sua entrega aos grupos económicos”, avisa.
Rui Rio: “A economia não resistirá a uma nova paragem idêntica” à actual
O presidente do PSD e líder da bancada parlamentar social-democrata, Rui Rio, diz que “pela primeira vez, Portugal comemora o 25 de Abril com a liberdade condicionada”.
“A liberdade que a revolução nos trouxe, está hoje, por força das circunstâncias, limitada a esta cerimónia, e ela própria fortemente condicionada”, afirma, salientando, no entanto, que esta “liberdade condicionada” não é necessariamente um mau sinal.
O que “à primeira vista, pode parecer negativo, é no fundo um exemplo positivo do próprio regime democrático; que, sem complexos, mostrou ser capaz de responder com a legalidade constitucional, perante uma ameaça séria à nossa saúde coletiva”.
Isto é: “Portugal não tem a democracia suspensa”, tem sim “a democracia bem presente, ao demonstrar que ela encerra, em si mesma, mecanismos de funcionamento capazes de responder com eficácia a uma circunstância única e absolutamente excecional”.
O líder do PSD elogia ainda a decisão de se ter instaurado o estado de emergência.
Rui Rio diz que todos têm “consciência que Portugal vive um período muito difícil do ponto de vista sanitário: pelo momento que estamos a atravessar, e pelo facto de podermos vir a ter uma segunda onda da pandemia daqui por poucos meses”. Por isso sublinha ser imperioso que “o país se prepare para esta eventualidade, porque a economia portuguesa não resistirá a uma nova paragem idêntica àquela que estamos a viver.”
Deixando ainda um aviso: “As falhas que da primeira vez existiram não poderão ser repetidas”.
PS: “Um Parlamento que se deixasse sequestrar pela demagogia estaria a defraudar Abril”
Ana Catarina Mendes, líder parlamentar do PS, diz que “nunca nestes 46 anos, como no último mês e meio,a democracia foi tão colocada à prova”.
Em seu entender, a democracia mostrou no entanto que “está consolidada e viva”. “Estamos a conseguir usar com moderação os poderes de excepção. Por isso garantimos, na emergência, o papel do Parlamento no equilíbrio de poderes que garante o Estado de direito. Um Parlamento que nunca interrompeu o seu funcionamento e que não foi suspenso pela emergência.”
Para Ana Catarina Mendes é no entanto preciso estar alerta porque “o inimigo desconhecido que ameaçou a nossa liberdade fez também aparecer outros demónios já conhecidos: xenofobia, fechamento nacional e medo”, isto é “um medo subterrâneo que alguns gostariam de usar para abalar os pilares do Estado Democrático”.
“Sentir medo é próprio de ser humano. Mesmo os que resistiram durante a ditadura não deixaram de ter medo, mas souberam não o deixar vencer. Também hoje é nossa responsabilidade não decidirmos condicionados pelo medo, e impedir a exploração do medo como arma política”, afirmou.
Marcelo: “O 25 de Abril é essencial e tinha de ser evocado”
O Presidente da República já discursa. Marcelo Rebelo de Sousa afirma-se “obviamente sensível” a quem manifestou críticas à presente sessão parlamentar solene.
Contudo diz que “é precisamente em tempo excepcionais” que se devem invocar “os momentos essenciais”, como o 10 de Junho, o 5 de Outubro e o 1º de Dezembro.
“Não é este o tempo excecional e em tempos excecionais não devem dispensar-se evocações costumeiras e ritualistas? Não. É precisamente em situações excecionais que se impõem costumes e rituais. O 10 de junho é essencial e vai ser invocado, tal como o 1º de dezembro e o 5 de outubro. O 25 de Abril é essencial e tinha de ser evocado. É em momentos de sofrimento que mais importa evocar a pátria.”
