Tiago Rodrigues leva ao palco do CCVF um Portugal liderado pela extrema-direita em 2028

Uma família que mata fascistas, por justiça. Uma tradição com mais de 70 anos, numa família onde todos, sem excepção, se dão pelo nome de “Catarina”. 

A história começa numa casa no campo, no sul de Portugal, perto da aldeia de Baleizão. No dia em que Catarina, de 26 anos, vai matar o seu primeiro fascista. Todos os anos, desde a morte de Catarina Eufémia, em 1954, a família se reúne com o mesmo propósito. Mas, em 2028, Catarina quebra a tradição, questionando se a verdadeira justiça é feita através de violência. 


Está aberta a cortina para a peça “Catarina e a beleza de matar fascistas”, que o Teatro Nacional D. Maria II estreia este sábado, no Centro Cultural Vila Flor (CCVF).  A história sugere uma reflexão sobre aquilo que poderá ser Portugal governado pela extrema-direita, em 2028.


Durante a trama muitas vezes se ouve falar de “uma nova República” e de “uma nova Constituição”. “Basta de greves fúteis e sindicatos curruptos”, “não vamos permitir que as forças de segurança continuem a ser humilhadas pelas elites e minorias” ou “muitos casas de alegada violência doméstica podem ser evitados se a mulher se comportar honradamente” são algumas das deixas do deputado fascista interpretado por Romeu Correia. 


É dele a última intervenção desta peça, onde faz um discurso como sendo parte de um partido que está no poder, em 2028, o mesmo partido que em 2020 tinha apenas um deputado mas que entretanto conseguiu chegar aos 117, alcançando uma maioria absoluta.

Movimentos de extrema-direita “institucionalizaram ideias que não são aceitáveis e a peça aborda-as sem medo”

O encenador e director artístico do Teatro Nacional D. Maria II, Tiago Rodrigues, não identifica o partido, porque considera que “mais importante do que os nomes são as ideias que eles defendem”. Por isso mesmo, esta peça “é feita de questionamento, com uma abordagem muito clara à ameça da ascenção de populismo de extrema-direita, de tendência fascista”, afirmou o encenador, que alerta ainda para a necessidade de o público questionar “como é que a democracia se pode relacionar com essa ameça antidemocrática”. “É uma peça que nos coloca num contexto imaginário, ficcionado, para pensarmos sobre as nossas vidas e sobre o que poderá ser o futuro se não tivermos cuidado e não refletirmos e agirmos no presente”, referiu Tiago Rodrigues.


“A história questiona muito a problemática da violência que está muito presente na política, e que corremos o risco colectivo de se tornar cada vez mais presente, e promove um debate do lugar do teatro na cidade, que é o de inventar personagens que ao viverem uma história em palco têm um debate que poderá ser útil à plateia, para que não tenha que viver as histórias mas possa pensar nelas”, acrescentou. 


Para Tiago Rodrigues, “as ideias têm que ser examinadas, para que se saiba o que significa um país governado pela extrema-direita”. “Parece-me que passaram a existir com uma presença pública esmagadaora, desde as últimas legisltivas, e institucionalizaram ideias que não são aceitáveis e a peça aborda-as sem medo”, frisou o encenador. 

“A provocação da peça é desejada”, assume Tiago Rodrigues, consciente de que corre “o risco de ofender”. “Esperemos que não se ofendam, mas sem este risco há questões delicadas que não conseguimos tratar”, apontou.

“Não é um apelo à violência, mas sim à reflexão”

Sara Barros Leitão dá vida à personagem principal da história, uma das Catarinas da família. Incapaz de matar, a personagem, disse a jovem actriz, ” questiona até que ponto a violência é uma forma de resolver as coisas”. “O exercício é perceber as formas que a democracia tem para combater ou não este tipo de discursos e pensamentos. Não é um apelo à violência, mas sim à reflexão”.  

Romeu Costa interpreta o deputado fascista. O actor considera “curioso que a reflexão que a história sugere aconteça em Guimarães, lugar onde a nação nasceu”. “O teatro dá-nos a possibilidade de fazermos esta futurologia e tentar perceber como é que daqui a oito anos o mundo estará, estamos a promover esta reflexão, provocando as pessoas, porque o que se diz toca-nos a todos”, disse ainda. 

“Catarina e a beleza de matar fascistas” estreia este sábado, no Centro Cultural Vila Flor, em Guimarães, às 21h30, e repete no domingo, às 17 horas. As duas sessões já estão esgostadas. Tiago Rodrigues espera “uma reacção calorosa, habitual do público de Guimarães”. “Tenho uma tremenda confiança na presença do público e na capacidade distinguir as coisas, já que nem tudo o que é dito é o que é defendido por quem está em palco. É um público do CCVF, de 15 anos de trabalho exemplar no território português”, finalizou o vencedor do Prémio Pessoa 2019.

A peça segue depois para palcos internacionais, passando pela Suíça, França, Itália, Noruega e Luxemburgo. Em Janeiro, regressa a Portugal, ao Porto, e só em Abril será apresentada em Lisboa.

No palco, juntam-se António Fonseca, Beatriz Maia, Isabel Abreu, Marco Mendonça, Pedro Gil, Romeu Costa, Rui M. Silva e Sara Barros Leitão.

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Liliana Oliveira
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