TC. Novo presidente revoltado com “lobby gay” e “promoção da homossexualidade”

“Uma coisa é a tolerância para com as minorias e outra, bem diferente, a promoção das respetivas ideias: os homossexuais não são nenhuma vanguarda iluminada, nenhuma elite. Não estão destinados a crescer e a expandir-se até os heterossexuais serem, eles próprios, uma minoria. E nas sociedades democráticas são as minorias que são toleradas pela maioria – não o contrário. (…) A verdade – que o chamado lobby gay gosta de ignorar – é que os homossexuais não passam de uma inexpressiva minoria, cuja voz é enorme e despropositadamente ampliada pelos media.”
As palavras são de João Pedro Barrosa Caupers, o novo juiz presidente do Tribunal Constitucional, num texto publicado a 17 de maio de 2010, dia no qual o então presidente Cavaco Silva promulgou a lei que alterou o Código Civil, retirando deste a proibição do casamentos de pessoas do mesmo sexo e coincidentemente também a data em que se celebra anualmente o dia internacional contra a homofobia. A notícia faz hoje manchete no Diário de Notícias.
Nesta publicação, que se encontra ainda numa espécie de jornal “de parede” digital da Faculdade de Direito da Universidade Nova de Lisboa no qual os respetivos professores “afixavam” textos de opinião de acesso público, o novo presidente do Tribunal Constitucional (TC) exprimia também revolta com “os cartazes que a Câmara de Lisboa espalhou pela cidade, a pretexto da luta contra a discriminação, promovendo a homossexualidade.”
Aludia a uma campanha da Associação Ilga-Portugal que constava de um cartaz com a fotografia de uma mulher e uma criança e a pergunta: “Se a tua mãe fosse lésbica, mudava alguma coisa?” e que ocupara no início do ano, após a aprovação da alteração legislativa referida, alguns mupis da autarquia.
Este especialista em Direito Administrativo, hoje com 69 anos, e que desde 2014 integra o TC, tendo em 2016 ascendido à vice-presidência, frisava no seu texto de 2010 a “falta de indignação mediática” com a dita campanha face à abundância de escândalo público que lhe parecia ter rodeado a revelação, em abril, de que o professor catedrático de Direito constitucional da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa Paulo Otero apresentara aos seus alunos um teste no qual lhes pedia para justificarem simultaneamente, em resposta a perguntas distintas, a constitucionalidade e a inconstitucionalidade de um diploma que teria hipoteticamente sido aprovado “em complemento à lei sobre o casamento entre pessoas do mesmo sexo” e que permitiria também o casamento entre pessoas e animais domésticos.
Contra “a promoção da homossexualidade”
Apesar de certificar que não achava a escolha desse exemplo “caricatural” apropriada a um exame porque “a escolha de temas fraturantes – eutanásia, interrupção voluntária da gravidez, etc. – num exame pode criar uma pressão suplementar sobre o estudante” e até por o considerar “de mau gosto”, rematava: “Mas é uma mera questão de sensibilidade pessoal. Também me pareceram de muito mau gosto os cartazes que a Câmara de Lisboa espalhou pela cidade, a pretexto da luta contra a discriminação, promovendo a homossexualidade. E não me lembro de terem sido assunto relevante de telejornal, nem de terem suscitado indignação mediática.”
Na verdade, ao contrário do que afirmava o docente da Nova, a campanha da ILGA gerou polémica, com o então vereador Pedro Santana Lopes, do PSD, a interpelar o à época presidente da Câmara, António Costa, sobre o apoio da autarquia. Este respondeu: “É uma campanha pela não discriminação, não me parece que suscite particulares questões.”
Sem explicar por que motivo lhe pareciam de mau gosto os referidos cartazes ou porque os entendia como “promoção da homossexualidade”, o então já professor catedrático João Caupers assegurava no entanto não ser “adepto” de “nenhuma forma de discriminação, contra quem quer que seja”, e ser-lhe “indiferente” que os amigos “sejam homossexuais, heterossexuais, católicos, agnósticos, republicanos ou monárquicos”, considerando que “as minorias devem ser tratadas com dignidade e sem preconceito, tanto pelo Estado, como pelos outros cidadãos”. Para concluir: “Os homossexuais merecem-me o mesmo respeito que os vegetarianos ou os adeptos do Dalai Lama. São minorias que, como tais, devem ser tratadas com dignidade e sem preconceito, tanto pelo Estado, como pelos outros cidadãos.”
Mas logo de seguida ajuntava: “Estou convencido de que existem mais vegetarianos do que homossexuais em Portugal – e, porventura, até mais adeptos do Dalai Lama. Não beneficiam, porém, do mesmo nível de acesso aos jornais, aos microfones das rádios e às objetivas das televisões.”
E chegava mesmo a afirmar: “A minha tolerância para com os homossexuais não me faria aceitar, por exemplo, que a um filho meu adolescente fosse “ensinado” na escola que desejar raparigas ou rapazes era uma mera questão de gosto, assim como preferir jeans Wrangler aos Lewis [sic] ou a Sagres à Superbock.”
Maiorias tolerantes, minorias toleradas?
O DN entrou em contacto com o TC para questionar João Caupers sobre este seu escrito, nomeadamente para saber se continua a subscrever o que nele disse há quase 11 anos.
Também foi perguntado ao juiz conselheiro o que entende ou entendia por “promoção da homossexualidade” nos aludidos cartazes da ILGA Portugal, assim como o que seria “a promoção de ideias de minorias” a que faz referência várias vezes no texto, e em concreto que “ideia” da “minoria homossexual” tinha em mente, assim como o que quer significar com a expressão “lobby gay”.
Foi igualmente pedido ao novo presidente do mais alto tribunal do país que explique como compagina as afirmações “nas sociedades democráticas são as minorias que são toleradas pela maioria – não o contrário” e “enquanto membro da maioria heterossexual, respeitando os homossexuais, não estou disposto, nem disponível, para ser “tolerado” por eles” com princípios constitucionais básicos como o da dignidade da pessoa humana (consagrado logo no 1º artigo, e que pressupõe que as pessoas não estão submetidas ao desígnio de “tolerância” ou não de outras) e o da igualdade, expresso no artigo 13º. Este, recorde-se, estatui que “todos os cidadãos têm a mesma dignidade social e são iguais perante a lei”, o que pressupõe que não existem privilégios das “maiorias” e ascendentes destas sobre as “minorias”.
Como justificar pois, à luz deste princípio, a ideia de que as maiorias se podem arrogar dirigir “tolerância” às minorias mas os membros daquelas “não estão disponíveis” para ser tolerados por membros de minorias? Não pressuporá tal afirmação que o conceito de tolerância é nela encarada como uma afirmação de superioridade, poder e domínio da maioria (e decorrentemente uma posição inferior e subalterna da minoria) que colide frontalmente com o princípio da igualdade?
