Grande parte das verbas previstas para as autarquias ainda não saiu do Estado central

Não é um retrato completo, mas os números ajudam a traçar um ponto de situação de um processo que teve o primeiro impulso concreto faz esta semana cinco anos, quando o Conselho de Ministros aprovou, a 16 de Fevereiro de 2017, uma proposta de lei que estabelecia o quadro de transferência de competências. Nos três primeiros trimestres de 2021, de acordo com informação publicada no Portal da Transparência, uma grande fatia do bolo disponível para Ænanciar a descentralização de competências ainda não tinha saído da alçada da administração central. Dos 934 milhões de euros disponíveis no sector da educação, apenas 180 milhões tinham sido transferidos para os municípios; dos 93 milhões disponíveis na saúde, só 2,4 milhões foram de facto para as câmaras; de 1,2 milhões de euros na cultura, não chegaram às autarquias mais do que 314 mil euros. Há vários factores que ajudam a analisar os montantes envolvidos: as pastas mais pesadas — educação e saúde — têm uma baixa taxa de aceitação, 41,7% e 28,4%, respectivamente. Acresce que os números do Portal da Transparência ainda não contabilizam o quarto trimestre do ano. “A diferença entre o valor disponível e o valor transferido pela administração central aos municípios explicase em função das competências a transferir e do número de municípios que já aceitou a transferência”, responde ao PÚBLICO o Ministério da Modernização do Estado e Administração Pública (MMEAP). 

A presidente da Associação Nacional de Municípios Portugueses, Luísa Salgueiro, defende a mesma tese e admite que, “por força das eleições autárquicas e pelas eleições legislativas, haja pedidos ainda em tramitação”. Ou seja, contas que ainda não entraram nesta soma. Rejeita que este seja um indicador do ritmo efectivo de descentralização. Um ritmo sobre o qual o Presidente da República tem dúvidas. Ao promulgar o diploma que alarga o período de aceitação da acção social até ao final do ano, Marcelo escreveu numa nota que atendeu “à reiterada manifestação de vontade de muito municípios” e à “imprevisibilidade de manter o ritmo inicialmente previsto na descentralização”. Por seu lado, o MMEAP fala num “avanço a bom ritmo”, refere que, excluindo a acção social e incluindo todos os outros sectores, se verifica “que a taxa de descentralização é de 89%”. “A gestão por duodécimos nos primeiros meses de 2022 não inÇuencia nem prejudica as transferências da descentralização”, sublinha ainda o ministério. Uma questão de contas Se o problema é a educação e a saúde, o que está a travar a adesão das câmaras nestes duas áreas? São os sectores mais complexos e também os que envolvem números mais elevados. 

Tanto que descentralização só prevê transferências da administração central para as autarquias locais em quatro sectores: Educação, Saúde, Cultura e Acção Social. As restantes 16 competências têm receitas próprias associadas, geridas pelas câmaras. “Adiámos até ao limite”, reconhece o presidente da Câmara Municipal de Santa Maria da Feira, Emídio Sousa. Não aceitou ainda nem saúde, nem educação, embora o prazo para o fazer esteja aproximar-se do Æm, a 31 de Março. Diz que as verbas que o Governo prevê transferir para as autarquias estão “completamente desactualizadas” e que há o receio de que, depois de assumir as responsabilidades, o envelope Ænanceiro não chegue. “E pode vir aquele dinheiro tout court e depois não há correcção de eventuais falhas”, desconÆa o autarca social-democrata. 

O presidente da Câmara Municipal de Avis, Nuno Silva, explica que tem rejeitado por causa dos moldes da eventual transferência. “Temos uma escola completamente obsoleta. Temos andado a pedir uma intervenção que nunca aconteceu. Hoje temos de construir uma escola de raiz. Fizemos o projecto, ronda os seis milhões e o poder central dá-nos 20 mil euros para obras na escola”, aponta o autarca comunista. De resto, o PCP tem sido frontalmente contra o processo de descentralização, ao qual chama municipalização. “Na prática, na esmagadora maioria das transferências de competências não sentimos nada. A educação vai ter de facto impacto”, diz o autarca de Santiago do Cacém, Álvaro Beijinha, também comunista. Além de todas as reservas sobre os meios que virão com as novas responsabilidades, o presidente aponta questões práticas: “Os trabalhadores das escolas que vão passar para as câmaras não têm seguro de saúde. Terão de ser as câmaras a providenciar e, naquilo que é transferido para os municípios, estas contas não entram.”

 Refere também que “não há garantia de que, activando a câmara a sua opção de fazer com que estes trabalhadores subam mais rapidamente nas carreiras, “não há garante de que o ministério compense”. Mais a norte, outra perspectiva: “Cultura e educação? tudo excelente, nota muito alta”, diz o presidente do município de Aveiro, Ribau Esteves (PSD), sobre duas áreas que a autarquia aceitou. O tom muda quando a conversa é sobre saúde, que a autarquia ainda não assumiu: “É a única área da descentralização que não tem pés nem cabeça, é a única competência em que os municípios mandam na vassoura mas não mandam das pessoas que manobram a vassoura.” Este sector “devia ser anulado ou profundamente alterado”, considera. Olhando para o mapa de Portugal, há uma vasta área do país que Æca de fora da descentralização na área da saúde. O MMEAP explica que a transferência de competências “não se aplica aos municípios em que as Unidades Locais de Saúde sejam Entidades Públicas Empresariais (E.P.E.), enquadradas dentro do Sector Empresarial do Estado, e que incluem as unidades hospitalares, as unidades de cuidados de saúde primários, e nalguns casos unidades de cuidados continuados integrados”. Panorama semelhante acontece no sector da cultura. A tutela justiÆca que, nesse caso, “a transferência só se aplica aos municípios que têm imóveis previstos nos anexos ao decretolei” sectorial.

c/Público

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