Comissão recomenda que idade máxima para apresentar queixa suba para 30 anos

A Comissão Independente para o Estudo de Abusos Sexuais de Crianças na Igreja Católica Portuguesa apresentou o relatório de um ano de recolha de denúncias, esta segunda-feira, na Fundação Calouste Gulbenkian, em Lisboa.
[Consultar o relatório final ‘Dar voz ao silêncio’. O trabalho começou em 11 de janeiro de 2022.]
Laborinho Lúcio, ex-ministro da Justiça que integra a Comissão Independente para o Estudo dos Abusos Sexuais contra Crianças na Igreja Católica, disse, esta manhã, que o grupo de trabalho “se limitou a fazer uma sugestão” à Assembleia da República para que quem é vítima menor de idade possa apresentar queixa até perfazer 30 anos. Atualmente a idade limite é 23 anos.
“Quem é vítima de crime sexual, sendo menor de idade, pode apresentar queixa até perfazer 23 anos. Tendo em conta a idade das vítimas (de abusos sexuais na igreja) e aquilo que nos ensinaram sobre a dificuldade em verbalizar, consideramos que esta idade deve ser aumentada para os 30 anos”, revelou Laborinho Lúcio, acrescentando que Espanha pretende que “suba até aos 35 anos” e “há quem pense ir mais longe”.
“Sugerimos os 30 anos, mas não estamos comprometidos com esta idade”. “Sugerimos apenas que a Assembleia da República pondere seriamente o aumento desta idade”. Ana Nunes de Almeida, socióloga e também membro da Comissão, lembrou que a “esmagadora maioria dos casos caem na prescrição”.
Relatório sobre abusos exprime “dura e trágica realidade”
O presidente da Conferência Episcopal Portuguesa (CEP) afirmou hoje que o relatório da Comissão Independente para o Estudo dos Abusos Sexuais na Igreja “exprime uma dura e trágica realidade: houve, e há, vítimas de abuso sexual provocadas por clérigos”.
“Pedimos perdão a todas as vítimas: às que deram corajosamente o seu testemunho, calado durante tantos anos, e às que ainda convivem com a sua dor no íntimo do coração, sem a partilharem com ninguém”, acrescentou.
Em conferência de imprensa em Lisboa, José Ornelas disse que a situação “é uma ferida aberta que (…) dói e (…) envergonha”.
Poucas horas depois da apresentação do relatório Comissão Independente para o Estudo dos Abusos Sexuais de Crianças na Igreja Católica em Portugal, que aponta para 512 testemunhos validados de um total de 564 recebidos, o que aponta, por extrapolação, para um mínimo total de 4.815 vítimas, afirmou que “o relatório hoje publicado exprime uma dura e trágica realidade: houve, e há, vítimas de abuso sexual provocadas por clérigos e outros agentes pastorais, no âmbito da vida e das atividades da Igreja em Portugal”.
Esta segunda-feira, Pedro Strecht, presidente da comissão independente, começou por referir que foram recebidos 512 testemunhos validados, com base nos quais foi possível identificar “um número mínimo” de 4.815 vítimas.
Medo, vergonha e culpa levam muitas vítimas a silenciarem casos de abuso
Apenas “uma expressiva minoria” do número das vítimas é que revelam os abusos, indica Comissão Independente para o Estudo dos Abusos Sexuais de Crianças na Igreja Católica.
A Comissão Independente para o Estudo dos Abusos Sexuais de Crianças na Igreja Católica reconheceu esta segunda-feira que “habitualmente, são as vítimas [de abuso] a iniciar o silenciamento, por sentimentos de medo, vergonha e culpa”.
No sumário do relatório, divulgado esta manhã, a comissão liderada pelo pedopsiquiatra Pedro Strecht aponta para que seja “uma expressiva minoria” do número das vítimas que revelam os abusos.
Acrescenta que, quando o fazem, as vítimas “concretizam-no junto de pessoas próximas”, dependendo da atitude destas “a evolução futura da situação”.
Por outro lado, em fases posteriores da vida adulta, “é necessário suporte psicológico e/ou psiquiátrico para intervir em diversos quadros clínicos, como as perturbações de ansiedade e do humor depressivo ligadas a situações de stress pós-traumático”, acrescenta a comissão.
Ainda neste documento, o grupo de trabalho aponta que “o perfil dos abusadores é variado”, predominando “adultos jovens com estruturas psicopatológicas, agravadas por fatores de risco como o alcoolismo ou o mau controlo de impulsos”.
“Destacam-se as perturbações de personalidade, com facetas socialmente integradas, revelando capacidade de sedução e manipulação. É raro reconhecerem os atos praticados, sem consciência crítica, sendo vulgar darem continuidade aos mesmos. As respostas com sucesso terapêutico são escassas, mas é fundamental ditar o afastamento de cargos ou atividades que impliquem contacto com crianças”, acrescenta.
Segundo o sumário do relatório, “no caso de abusadores em contexto religioso, o acompanhamento espiritual, embora muito importante, não é suficiente. É necessária uma intervenção psiquiátrica e psicológica intensiva e duradoura”.
O documento revela, também, que “os dados apurados nos arquivos eclesiásticos relativamente à incidência dos abusos sexuais devem ser entendidos como a ‘ponta do iceberg'”.
“Ficou cabalmente demonstrado que um número indeterminado de vítimas não reportou os abusos à Igreja Católica; muitas das queixas terão sido tratadas informalmente, não deixando qualquer rasto documental; com algum grau de probabilidade, a eventual prática de expurgos dos arquivos sem respeitar as normas impostas pela legislação canónica terá sido praticada (convicção partilhada com muitos clérigos contactados)”, pode ler-se no sumário do relatório.
Segundo a comissão, “acresce a ambiguidade que caracteriza uma parte significativa da correspondência eclesiástica do século XX. É frequente o problema dos abusos sexuais não ser referido explicitamente”.
Esta segunda-feira, na sessão de apresentação do relatório desta Comissão Independente sobre os casos de abuso na Igreja Católica desde 1950, Pedro Strecht revelou que foram validados 512 casos de 564 testemunhos recebidos, apontando a extrapolação de um número mínimo de vítimas da ordem das 4.815.
O espaço temporal abrangido pelo trabalho da comissão estendeu-se de 1950 a 2022, tendo o grupo de Pedro Strecht começado a receber testemunhos em 11 de janeiro do ano passado.
Os casos de abusos sexuais revelados ao longo de 2022 abalaram a Igreja e a própria sociedade portuguesa, à imagem do que tinha ocorrido com iniciativas similares em outros países, com alegados casos de encobrimento pela hierarquia religiosa a motivarem pedidos de desculpa, num ano em que a Igreja se vê agora envolvida também em controvérsia, com a organização da Jornada Mundial da Juventude, em Lisboa.
Liderada pelo pedopsiquiatra Pedro Strecht, a comissão independente é ainda constituída pelo psiquiatra Daniel Sampaio, pelo antigo ministro da Justiça e juiz conselheiro jubilado Álvaro Laborinho Lúcio, pela socióloga e investigadora Ana Nunes de Almeida, pela assistente social e terapeuta familiar Filipa Tavares e pela cineasta Catarina Vasconcelos.
c/Lusa/DN e JN
