Quase 21 mil vítimas em risco de vida não tiveram do INEM o nível de socorro exigido 

Quase 21 mil doentes em risco de vida, triados com a prioridade máxima, não foram socorridos pelos meios mais diferenciados do INEM em 2024. O instituto, que em 2024 funcionou com menos 709 trabalhadores do que os 2013 previstos, nota que a evolução clínica das vítimas e a proximidade de um hospital explicam muitas vezes a opção por ambulâncias menos especializadas.

No ano passado, o INEM registou um total de 148.251 ocorrências de prioridade 1 (P1), que correspondem a situações graves e que “precisam de suporte avançado/imediato de vida”, com envio de meios diferenciados como uma ambulância de suporte imediato de vida (SIV), uma viatura médica de emergência e reanimação (VMER) ou um helicóptero. Estes últimos meios são tripulados por equipas constituídas por médico e enfermeiro e a SIV por enfermeiro e técnico de emergência pré-hospitalar.

Porém, nem todas as ocorrências de prioridade 1 tiveram o correspondente nível de meios de suporte imediato ou avançado de vida, como revelam os números publicados no relatório anual de Gestão e Actividades do INEM relativo a 2024. Segundo o documento, homologado pela ministra da Saúde em Julho, naquele ano as ambulâncias SIV saíram para 36.885 situações, as VMER deram resposta a 89.408 casos e os helicópteros levantaram 997 vezes. Ou seja, para as 148.251 ocorrências prioritárias, houve 127.290 accionamentos dos meios mais diferenciados, o que significa que 20.961 situações não tiveram a intervenção mais especializada. Terão tido resposta das ambulâncias de emergência médica, do INEM ou dos bombeiros, tripuladas por técnicos com menos formação e competências.

Ao PÚBLICO, fonte do INEM explicou que a avaliação é feita caso a caso no Centro de Orientação de Doentes Urgentes (CODU), mas há várias situações que podem influenciar na decisão de não enviar os meios mais diferenciados para ocorrências de gravidade máxima. Por exemplo, adiantou, se um doente estiver próximo de um hospital, pode ser mais importante transportá-lo rapidamente para a unidade de saúde em ambulância de emergência do que accionar uma VMER que esteja mais longe para intervir no local.

Por outro lado, as VMER são poucas (44 em todo o país) – face ao número de ambulâncias disponíveis (606 do INEM e parceiros) –, muitas vezes estão ocupadas e também inoperacionais. Há ainda situações, avança o INEM, em que a situação clínica da vítima evolui favoravelmente e já não se justifica o envio de meios diferenciados.

Todos os anos, há diferenças entre o número de ocorrências críticas e o número de accionamentos de VMER, SIV ou helicópteros, mas esta discrepância está a aumentar desde 2022. Neste ano, cerca de 17.500 doentes triados com a prioridade mais elevada não receberam o nível de socorro condizente. Em 2023, foram cerca de 19 mil doentes e em 2024 quase 21 mil.

Centro antivenenos esteve fechado em 15 turnos

Sem surpresa, o relatório de actividades de 2024 expõe as graves carências de recursos humanos no INEM. O mapa de pessoal do instituto tem 1304 lugares ocupados, menos 709 do que os 2013 previstos. A escassez de técnicos de emergência é a mais premente (faltam 501), mas as dificuldades em fixar médicos também são notórias, faltando preencher 26 dos 49 postos de trabalho previstos.

Para colmatar a escassez de pessoal, o instituto recorreu a prestadores de serviços, num total de 176 (dos quais 132 são médicos), mas nem assim tem conseguido tapar todos os buracos e manter os serviços a funcionar em permanência.

É o caso do Centro de Informação Antivenenos (CIAV), um serviço único no país que presta informação especializada a médicos e outros profissionais de saúde, bem como ao público em geral sobre intoxicações agudas com medicamentos ou produtos domésticos/industriais, com plantas ou animais. É suposto funcionar 24 horas por dia, mas no ano passado esteve encerrado durante 15 turnos, resultando numa diminuição do número de chamadas atendidas (menos 4,1%) e consequentemente do acesso.

“Comparativamente com 2023, em 2024 verificou-se um decréscimo do número total de chamadas recebidas, directamente relacionado com o facto de o serviço ter estado encerrado durante 15 turnos, num total de 186 horas, por escassez de médicos que assegurassem ininterruptamente a escala de urgência do serviço”, pode ler-se no relatório do INEM, que deixa o alerta: “É vital continuar a dar maior sustentabilidade a esta actividade para que ela possa contribuir, de forma sinérgica, para os ganhos em saúde dirigidos ao utente.”

Apesar de o INEM ter vivido momentos críticos em 2024, nomeadamente duas greves (em Outubro e Novembro) que resultaram em graves constrangimentos no socorro, não há qualquer referência no relatório de actividades a estas paralisações que deram origem a investigações e inquéritos da inspecção da Saúde e do Ministério Público.

No global, o número de chamadas atendidas nos CODU no ano passado (1,49 milhões) diminuiu 1,6% face ao ano anterior (menos 24 mil), mas continua a ser superior a 2019 (em cerca de 5,3%), tendo sido atendidas em média mais 195 chamadas por dia.

Esta tendência crescente da actividade no período pós-pandemia, explica o INEM, resulta de vários factores que têm impacto na saúde e na emergência médica. Com destaque para a maior prevalência de diversas doenças crónicas, para o aumento das complicações da gripe e outras infecções, para o envelhecimento demográfico e para as vagas de frio e de calor. A retoma do turismo, o crescimento da população presente no país no Verão, bem com o aumento dos comportamentos de risco são outros motivos que justificam o aumento da actividade do INEM depois dos anos da pandemia de covid-19.

Público

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Carolina Damas
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