Spinumviva: Montenegro associa data dos pedidos de documentos a campanhas eleitorais

O primeiro-ministro Luís Montenegro associa, numa resposta oficial do seu gabinete, a data dos pedidos de documentação feitos no âmbito da averiguação preventiva sobre o caso da Spinumviva a duas campanhas eleitorais, insinuando que houve motivações políticas nos timings escolhidos pelo Ministério Público e pela Polícia Judiciária (PJ).
Questionado pelo PÚBLICO sobre informações que dão conta de que o primeiro-ministro teria demorado a responder aos pedidos de informação das autoridades e que o teria feito de forma incompleta, o que teria levado a um novo pedido de esclarecimento e arrastado a conclusão do processo, o gabinete de Luís Montenegro negou que tal tenha acontecido.
O primeiro-ministro garante que as informações são “incorrectas”, “quer relativamente ao tempo de resposta, quer quanto à quantidade de pedidos (foi só um em plena campanha eleitoral legislativa e outro agora em vésperas da campanha eleitoral autárquica), quer relativamente ao conteúdo das respostas (que nunca foi incompleto)”.
Nega, por isso, qualquer responsabilidade na duração da averiguação, aberta há mais de seis meses à Spinumviva, uma empresa de consultadoria fundada em Janeiro de 2021, com um capital social de 6000 euros, que tinha Luís Montenegro como sócio maioritário, com uma quota de 3750 euros. A mulher e cada um dos dois filhos ficaram então com uma participação de 750 euros, sendo a sede da firma na casa da família, em Espinho. Antes de tomar posse como presidente do PSD, no início de Julho de 2022, Montenegro renuncia à gerência da sociedade, tendo vendido a sua quota à mulher e filhos no mês seguinte. Já este ano, a mulher doou aos descendentes, ambos maiores, a sua parte da empresa.
Apesar do pedido expresso do PÚBLICO, Montenegro recusou precisar as datas em que recebeu os pedidos de informação e quando remeteu as respostas, argumentando que “não divulga informação processual”. Não respondeu à pergunta se já tinha enviado a documentação pedida na semana passada.
Nova documentação
Na sexta-feira da semana passada, Montenegro afirmou que a nova documentação pedida pelo Ministério Público “não” era “nada de mais” e que iria aproveitar “a tarde” desse dia para tentar reunir os documentos solicitados e enviá-los o mais “rapidamente possível”, esperando que o assunto possa ser dado por encerrado. “Posso dizer que não é nada de mais, mas aproveitarei nomeadamente a tarde de hoje [sexta-feira, dia 19] para tentar reunir os documentos solicitados e enviá-los o mais rapidamente possível”, acrescentou.
Antes, o governante destacara que o pedido se tratava de uma situação “completamente normal” e que a documentação pedida era para “complementar informação” que já tinha tido “ocasião de remeter ainda antes do Verão”, ou seja, até meados de Junho.
Nesse mesmo dia, o semanário Nascer do Sol publicou uma entrevista ao procurador-geral da República, Amadeu Guerra, em que este adiantou que o Departamento Central de Investigação e Acção Penal (DCIAP), que dirige a investigação, pedira nessa semana mais documentação ao primeiro-ministro sobre a Spinumviva. Amadeu Guerra adiantou que esta semana iria fazer um ponto de situação com o director do DCIAP, Rui Cardoso, sobre vários inquéritos e indagar as razões da demora para finalizar a investigação.
Questionada pelo PÚBLICO, a Procuradoria-Geral da República (PGR) recusou adiantar se a reunião já se tinha realizado ou se tinha sido definido algum prazo-limite para o fim da investigação. Também não revelou se já tinha sido recebida a resposta ao último pedido de documentos endereçado ao primeiro-ministro. “A averiguação preventiva encontra-se em curso, não sendo possível, de momento, prestar qualquer informação adicional sobre a matéria”, respondeu apenas a PGR.
Na agenda oficial do procurador-geral desta semana, não consta qualquer deslocação ao DCIAP. Desde o início do ano, esta só regista uma visita de trabalho, a 20 de Janeiro, ao departamento que concentra as investigações à criminalidade mais complexa e violenta, que depende directamente de Amadeu Guerra. Tal não significa, contudo, que não se realizem reuniões de trabalho que não constem daquela agenda.
A demora na averiguação à Spinumviva contrasta com outra aberta em Abril passado, ao então líder do Partido Socialista, Pedro Nuno Santos, relacionada com a compra de dois imóveis, um em Lisboa e outro em Montemor-o-Novo, encerrada dois meses mais tarde. Na altura do arquivamento, o DCIAP deu conta de que Pedro Nuno Santos “foi ouvido em declarações e forneceu a documentação considerada pertinente, incluindo bancária”.
A polémica associada à Spinumviva acentuou-se com uma notícia publicada em final de Fevereiro pelo Expresso que dava conta de que a empresa de Montenegro recebia uma avença mensal de 4500 euros da Solverde, que explora cinco casinos (Chaves, Espinho, Vilamoura, Monte Gordo e Portimão), sendo que quatro dessas concessões, de Espinho e Algarve, terminam no final deste ano.
Os concursos para atribuição das novas concessões estão a decorrer, sendo expectável que os investigadores queiram esperar pelos respectivos resultados para finalizarem a averiguação.
Além da Solverde, eram clientes da empresa da família Montenegro a Lopes Barata, Consultoria e Gestão, o Colégio Luso Internacional do Porto, a Ferpinta, a Rádio Popular, alegadamente adquirindo serviços na área da protecção de dados pessoais. Soube-se entretanto que o principal cliente da Spinumviva em 2022, responsável por cerca de metade da sua facturação, foi a gasolineira Joaquim Barros Rodrigues & Filhos, uma empresa que pertence ao pai de João Rodrigues, candidato do PSD à Câmara de Braga e actual vereador daquela autarquia. O trabalho de consultoria terá sido desenvolvido pela nora do dono da gasolineira, que trabalhava para a Spinumviva.
Segundo três especialistas ouvidos em Março passado pelo PÚBLICO, nesta investigação será fundamental perceber se foram efectivamente prestados serviços pela Spinumviva à Solverde e aos restantes clientes, já que, se tal não aconteceu, o recebimento dos valores mensais, que variavam entre os 1000 e os 4500 euros, pode configurar crime de recebimento indevido de vantagem.
Por isso, é fundamental que as autoridades recolham contratos, facturas e elementos que comprovem que houve uma real prestação de serviços.
Esta averiguação preventiva foi instaurada após a PGR receber três queixas relacionadas com a empresa familiar do primeiro-ministro, incluindo uma da antiga eurodeputada Ana Gomes. Ao contrário de um inquérito, trata-se de um processo administrativo sem carácter judicial que não permite a utilização de mecanismos intrusivos da privacidade, como escutas, buscas ou violações do sigilo bancário.
Público
