Risco de pobreza atinge quase todas as crianças ciganas portuguesas

Quase todas as crianças ciganas portuguesas com menos de 18 anos vivem em risco de pobreza e praticamente metade está numa situação de privação material severa, revela um inquérito da Agência dos Direitos Fundamentais da União Europeia (FRA), divulgado hoje.
Segundo o inquérito da FRA, com dados relativos a 2024, 95% das crianças ciganas portuguesas com idades até aos 17 anos inclusive estavam em risco de pobreza, um valor dois pontos percentuais abaixo do resultado do inquérito de 2021, mas muito longe da média de 18% para as crianças da população em geral.
Em matéria de risco de pobreza, a percentagem global de ciganos portugueses é de 93%, enquanto para a restante população é de 17%.
De acordo com a FRA, para o global dos 13 países inquiridos (Bulgária, Chéquia, França, Grécia, Hungria, Irlanda, Itália, Portugal, Roménia, Espanha, Albânia, Macedónia do Norte e Sérvia), os resultados mostram que, em média, 77% das crianças ciganas/nómadas com menos de 18 anos viviam em agregados familiares em risco de pobreza.
A FRA destaca a “melhoria” comparativamente com os inquéritos de 2021 e 2016, mas salienta que “as taxas de risco de pobreza das crianças são superiores às dos ciganos/nómadas em geral em todos os países inquiridos”.
“Não há diferença considerável entre meninas e meninos ou entre crianças com menos ou mais de 15 anos. Tal como observado para a população cigana/nómada em geral, a percentagem de crianças em risco de pobreza tende a ser menor em bairros com baixa concentração de ciganos/nómadas”, diz a FRA.
Sobre a privação material severa, Portugal está a par da Roménia no que diz respeito às crianças ciganas com menos de 18 anos, com uma percentagem de 47%, quando a média para as crianças da população geral é de 21%.
Significa que quase metade das crianças ciganas portuguesas vive num agregado que não é capaz de fazer face a pelo menos quatro de nove privações materiais básicas, como não ter dinheiro para despesas inesperadas, não poder aquecer a casa ou não ter carne/peixe a cada dois dias, devido a dificuldades económicas.
A FRA alerta que, em 2024, 40% das crianças ciganas na Europa viviam em famílias em privação material severa e que apesar das melhorias, “as disparidades em comparação com os dados de 2020 relativos à população em geral continuam elevadas, atingindo 42 pontos percentuais em Portugal”.
Relacionada com a pobreza e a privação material surge a carência habitacional e aí Portugal aparece como um dos dois países onde aumentou a percentagem de pessoas ciganas a viver em condições precárias, alcançando 78%, depois de no inquérito de 2021 ter ficado nos 66%.
A FRA refere que “um em cada dois ciganos/nómadas (47%) vive em condições precárias, ou seja, em habitações húmidas e escuras ou sem instalações sanitárias adequadas”.
“A taxa melhorou desde 2016, quando era de 61%, mas continua a ser muito superior à taxa de 18% registada na população geral da UE em 2023 e 2018”, salienta a agência europeia.
Portugal é o país da Europa onde cidadãos ciganos sentem mais discriminação
O inquérito da FRA é relativo a 2024 e envolveu 10 Estados-membros, entre Bulgária, Chéquia, França, Grécia, Hungria, Irlanda, Itália, Portugal, Roménia e Espanha e outros três países em vias de adesão: Albânia, Macedónia do Norte e Sérvia.
Segundo a FRA, os níveis de discriminação diminuíram entre 2021 (altura do inquérito anterior) e 2024 na Grécia e na Sérvia e aumentaram na Chéquia, França, Irlanda (nómadas), Macedónia e Portugal.
“As taxas de discriminação atingiram os seus níveis mais elevados na Irlanda (para ciganos e nómadas), Itália e Portugal”, lê-se no relatório.
Para o relatório foram inquiridos 422 portugueses ciganos e 63% afirmou que se sentiu discriminado nos 12 meses anteriores à realização do inquérito, o que coloca o país com a percentagem mais elevada. Este valor representa um aumento de um ponto percentual em relação ao inquérito de 2021, mas traz um salto de 16 pontos percentuais em comparação com o inquérito de 2016.
Depois de Portugal aparecem a Irlanda e Itália, dois países onde 60% das pessoas ciganas se sentem discriminadas. No caso da Irlanda o valor salta para 75% quando foram inquiridas as pessoas nómadas.
A agência europeia constatou que em Portugal, como na Albânia, Bulgária, Chéquia e Sérvia, os ciganos que vivem em comunidades com menos ciganos sentem menos discriminação por causa da sua origem do que os ciganos que vivem em bairros onde toda ou a maioria da população é cigana.
Segundo a FRA, no que diz respeito à questão da discriminação “não houve praticamente nenhuma alteração em comparação com inquéritos anteriores” e destaca que “em média, quase um em cada três ciganos/nómadas inquiridos (31 %) sentiu-se discriminado com base na sua origem étnica”.
Portugal é também o país do grupo com a percentagem mais elevada de pessoas ciganas que nos 12 meses anteriores ao inquérito relataram ter sofrido pelo menos uma forma de assédio motivado pelo ódio ao facto de serem ciganos.
Dos 422 ciganos inquiridos, 48% disse ter sido vítima de assédio, um valor próximo na Itália (44%) e na Irlanda (41%), sendo que neste último o valor salta para 50% quando inquiridos os nómadas.
Outro ponto em que os ciganos afirmaram ser discriminados é na procura de emprego e Portugal aparece como um dos que teve uma taxa de discriminação “notavelmente alta”, com 70%, ultrapassado apenas pela Irlanda (84%). Abaixo aparece Itália (66%) e Grécia (61%).
A média do total dos países mostra que “em 2024, 36 % dos ciganos/nómadas com mais de 16 anos afirmaram ter sofrido discriminação por serem ciganos/nómadas na procura de emprego nos últimos 12 meses”.
Segundo a FRA, isto confirma “uma tendência negativa observada em 2021” e mostra que “o pico de discriminação registado em 2021 não pode ser atribuído apenas à Covid-19”.
Lusa
