Direcção Executiva manda hospitais cortarem na despesa, mesmo que implique abrandar consultas e cirurgias 

Os hospitais do SNS vão ter de cortar na despesa em 2026, mesmo que isso implique abrandar o ritmo crescente de cirurgias, consultas e outros cuidados de saúde. A instrução terá sido dada pela Direcção Executiva do SNS (DE-SNS) numa reunião com dirigentes das unidades locais de saúde (ULS) poucos dias depois de o Governo ter entregado a proposta do Orçamento do Estado do próximo ano na Assembleia da República. A ordem é para reduzir os gastos com medicamentos, produção adicional (como as cirurgias fora do horário para aliviar as listas de espera), prestadores de serviço e contratações de pessoal, o que num contexto de procura crescente do SNS está a gerar preocupação e críticas.

O encontro — a terceira edição da Assembleia de Gestores do SNS, um órgão de consulta da DE-SNS — decorreu no Hospital Distrital de Santarém, no passado dia 14, com a presença do director-executivo do SNS, Álvaro Almeida. De acordo com informação no site da DE-SNS, serviu para “alinhar estratégias e partilhar orientações no âmbito do SNS”, mas a mensagem que passou causou apreensão.

Segundo fontes hospitalares ouvidas pelo PÚBLICO, a percepção é de que 2026 será um ano difícil para o SNS do ponto de vista orçamental. Para acomodar o aumento da despesa com pessoal (5%) prevista para o próximo ano, terão de ser aplicados cortes nas aquisições e a produção dos hospitais não poderá ultrapassar a de 2025, segundo interpretaram alguns dirigentes presentes na reunião. Na prática, significa desacelerar a resposta aos doentes, o que poderá ter impacto nas listas de espera para cirurgia e consultas que, segundo os últimos dados da Entidade Reguladora da Saúde (ERS), já estão a crescer.

Às perguntas do PÚBLICO sobre o encontro com as ULS em Santarém, a DE-SNS respondeu apenas que “não comenta reuniões internas”.

“É incompreensível que se trave a actividade dos hospitais”, reage o presidente da Associação Portuguesa de Administradores Hospitalares (APAH), questionado pelo PÚBLICO. Realçando que não esteve presente na reunião, Xavier Barreto nota que travar a actividade assistencial “pode ser grave para alguns doentes” e que, do ponto de vista da gestão do SNS, adiar cuidados de saúde acaba por sair mais caro.

“Fala-se muito que o SNS tem um grande retorno porque as pessoas doentes não trabalham e não produzem, mas depois ignoramos tudo isso quando estamos a definir políticas públicas”, lamentou ainda o líder da APAH.

Um milhão a aguardar por primeira consulta

A ERS já fez saber que há mais doentes à espera de consulta de especialidade e de cirurgia. Segundo a última monitorização, no final de Junho, quase um milhão de utentes estavam a aguardar por uma primeira consulta nos hospitais do SNS, mais 25,6% do que no período homólogo de 2024, e mais de metade já tinham ultrapassado os tempos máximos de resposta garantidos (TMRG).

A lista de espera para cirurgia oncológica também cresceu 4,7% no primeiro semestre, face ao mesmo período de 2024, embora o número de doentes que viram os TMRG ultrapassados tenha diminuído 0,4 pontos percentuais. A monitorização da reguladora mostra também que, no primeiro semestre deste ano, as cirurgias oncológicas cresceram 6,9%, à boleia do regime excepcional de incentivos para a redução de listas de espera oncológicas.

Ao que o PÚBLICO apurou, a DE-SNS informou as ULS de que terão de cortar 10% na rubrica de fornecimentos e serviços externos (FSE), em linha com o que está definido na proposta do OE 2026 (prevê redução de quase 887 milhões de euros). A ideia é compensar o aumento da despesa com pessoal que, em resultado de acordos de valorização das carreiras e aumentos da função pública, vai pesar mais 5% nas contas da Saúde, ou seja, mais cerca de 370 milhões de euros face ao que foi estimado para este ano.

A rubrica FSE abrange compras de medicamentos, material clínico e dispositivos médicos, bem como a contratação de médicos e enfermeiros à hora, o sistema de gestão de inscritos em cirurgia que inclui a produção adicional e vai ser alterado em breve, bem como os gastos com exames complementares de diagnóstico e terapêutica realizados no sector convencionado, e o transporte de doentes não urgentes.

No caso dos medicamentos, foi explicado que serão criadas comissões de farmácia regionais para ajudar a reduzir a despesa com fármacos hospitalares. Estas estruturas não existem actualmente, mas deverão situar-se acima das Comissões de Farmácia e Terapêutica (CFT) locais dos hospitais, cuja missão é promover a utilização mais eficiente dos medicamentos.

Já a redução da despesa com médicos prestadores de serviço deverá ser atingida por via dos diplomas que o Governo aprovou para “disciplinar” o recurso a este regime de trabalho. Além de um conjunto de incompatibilidades que deverá restringir a contratação de tarefeiros, até ao final do ano, está prevista a publicação de uma portaria com redução do valor-hora pago aos prestadores. A implementação do modelo das urgências regionais, numa primeira fase na obstetrícia e depois noutras especialidades, também tenderá a reduzir a factura com tarefeiros.

Garrote nas contratações

Relativamente à contratação de recursos humanos para os quadros das ULS, a DE-SNS terá informado os gestores hospitalares de que, para além dos médicos, os Planos de Desenvolvimento Organizacional (PDO) das unidades deverão prever “contratações zero” para 2026. Xavier Barreto desconhece esta instrução, mas realça que os PDO de 2025 ainda não foram aprovados na parte dos recursos humanos, o que tem limitado a autonomia dos hospitais. “Não é fácil ter ganhos de eficiência ou produtividade quando estamos em Outubro e sem PDO aprovados”, apontou.

A redução da produtividade do SNS é, aliás, um dos pontos focados na análise ao orçamento da Saúde para 2026 — que será discutido no Parlamento na próxima sexta-feira —, realizada pelos investigadores Carolina Santos e Pedro Pita Barros. “Apesar do reforço de investimento em recursos humanos, a produtividade média do SNS caiu cerca de 25% entre 2015 e 2024. Este declínio pode dever-se, em parte, à maior complexidade dos casos tratados”, admitem os especialistas em economia da Saúde. Em comunicado, acrescentam: “Verifica-se que a quebra de produtividade está associada a problemas estruturais, como o aumento do recurso a prestação de serviços e suplementos remuneratórios; crescente dependência de horas extraordinárias; e ausência de mecanismos eficazes de responsabilização e gestão por desempenho.”

Público

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