“A deficiência não tem que estar associada à tristeza”

Conheceram-se há mais de uma década em Braga, apaixonaram-se, casaram e decidiram ter uma filha. Ambos trabalham, são independentes e desde cedo mostraram às respectivas famílias e amigos que é possível construir uma família e educar uma criança, mesmo que pai e mãe sejam cegos desde que nasceram. No início de Dezembro lançaram o livro “Educar com os Olhos da Mente”. Um título que diz tudo.

Em entrevista à RUM, Filipe Azevedo sublinha em diferentes momentos a importância da independência e da liberdade, direitos de qualquer jovem, mesmo que tenha uma deficiência. Nasceu cedo, tal como a sua esposa, Isabel, nada que os impedisse de se conhecerem e constituirem família até porque ambos concordam com a ideia de que os pais com filhos com deficiência devem deixá-los viver as suas vidas de forma independente, sempre que possível.

Há poucos dias lançaram o livro ‘Educar com os Olhos da Mente’ precisamente para desmistificar alguns preconceitos.  “A família é o principal suporte das pessoas com deficiência, mas quando superprotegem, impedem as pessoas com deficiência de serem autónomas e isto é um drama. Não caiam na asneira de superproteger, porque quando isso acontece, em vez de ajudar passa a ser um empecilho”, alerta. Dando o exemplo de uma pessoa cega, Filipe Azevedo lembra que o medo de que se vá magoar e a pressão social, levam a pessoa a “entrar num ciclo vicioso porque não tem força para lutar com a família, tem medo e habitua-se a que tudo lhe apareça feito e desiste de abraçar um projecto de vida”.

A parentalidade é outro ponto que revela as diferenças que a nossa sociedade continua a impôr.

“Os casais de pessoas sem deficiência até são pressionados a ter filhos, enquanto os casais constituídos por pessoas com deficiência, o que se espera precisamente é que não tenham filhos e a atitude de os ter é quase vista como um acto de loucura. Queremos muito aqui salientar a importância da consciencialização e do prazer da parentalidade”, explica.

O livro está repleto de mensagens, entre elas a de que “a deficiência não tem que estar associada à tristeza”. “A missão de parentalidade é um motivo de alegria e aquilo que menos queremos é que a nossa filha nos veja como uns pais tristes, revoltados e enfadonhos, como se andássemos aqui com uma cruz pesada”, continua.

O também dirigente da Acapo realça a experiência positiva da parentalidade. Quando pensaram em aumentar a família realizaram uma série de análises e exames para garantir que um futuro filho não correria o risco de nascer com qualquer deficiência. Ultrapassada essa barreira, a leitura foi essencial para o projecto educativo que elaboraram para Mara, a primeira filha deste casal.

Andar com Mara na rua foi uma das preocupações centrais. “Quando começou a andar íamos para shoppings, ambientes controlados, e ela andava à vontade, mas era importante passar por isso porque não podia sair da nossa beira, tinha que responder, tinha que perceber que quando chamássemos por ela tinha que responder para sabermos onde é que ela estava. Nunca nos deu problemas quando vamos na rua”, revela. “A questão dos semáforos, brincávamos muito com os semáforos em casa, o verde, o vermelho, as passadeiras, ela aprendeu muito cedo essas regras”.

As brincadeiras também são adaptadas, mas Filipe sublinha que é essencial este contacto permanente entre pais e filhos e o casal insiste muito e desde cedo, nesta interacção constante entre os três. Os puzzles são adaptados em braille para depois ajudar a montar. As bolas de futebol têm guizos. “Tivemos que ser muito persuasivos e incentivar a Mara a brincar com coisas que nos permitissem interagir com ela. Procuramos brincadeiras mais realistas, apostamos muito nos brinquedos de encaixe, nas plasticinas e nos instrumentos musicais”, adianta.

A obra de 152 páginas e dez capítulos é o relato de uma caminhada que começa na construção do desejo da parentalidade. Um livro que “transmite uma história muito positiva”. A partilha dos receios iniciais e a sensibilização à comunidade.

“O título é saudavelmente provocador”, admite. “Pretende dar à visão uma amplitude muito para lá da sua dimensão sensorial e retirar-lhe este carácter de insubstituível. Este educar com os olhos da mente tem o propósito de colocar a visão muito para além dos olhos da cara”, desabafa.

Filipe Azevedo confessa alguma amargura por não ter prosseguido os estudos para o Ensino Superior, mas o objectivo existe e garante que vai tirar um curso superior num futuro próximo. Natural de Penafiel, mudou-se para Braga há catorze anos para concluir o 12º ano. O sonho de ser animador sociocultural foi colocado de parte por causa da sua limitação na visão. “Tinha muitas potencialidades para ser animador, mas a cegueira prejudicou-me e, portanto, mudei de foco”, explica. Depois disso começou a trabalhar no apoio ao cliente dos Transportes Urbanos de Braga.


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Elsa Moura
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