“Crianças que vivem trauma e não recuperam são pessoas que ficam com muita raiva”

Os cenários a que estão a ser expostos as crianças e jovens ucranianos podem torná-los adultos com raiva, sede de vingança e desreguladas emocionalmente. A opinião é de Ângela Maia, investigadora na área de traumas de guerra e stress pós-traumático da Escola de Psicologia da UMinho.

Sair do país de origem, deixar parte da família para trás, ver a casa e o lugar onde brincavam totalmente destruídos podem deixar marcas profundas nas crianças ucranianas. 

“As crianças que vivem trauma comunitário e não têm oportunidade de recuperar são pessoas que ficam com muita raiva e com probabilidade de virem a ser pessoas desreguladas emocionalmente”, diz a psicóloga.

No entanto, alerta a docente da UMinho, “a capacidade humana de lidar com a tragédia é muito grande” e, por isso, nem todos ficaram com marcas irreversíveis. “O problema é quando a própria família fica ela própria desregulada e não consegue ajudar a criança a recuperar”, acrescentou. 


São muitas as imagens que nos chegam de crianças a despedirem-se, sobretudo, dos pais, que ficam para defender a Ucrânia. “Estas crianças têm muito sofrimento associado e chegam com mães muito traumatizadas. As memórias traumáticas são muito marcadas e espero que tenham oportunidade de falar sobre isto, de pintar sobre isto, e quanto mais depressa voltarem a ter uma vida normal, de brincadeira, mais provável é que consigam recuperar destas memórias”, explicou Ângela Maia.

“Isto é uma infância interrompida” e ninguém sabe por quanto tempo o será, por isso, os sentimentos de hoje podem ter repercussões no futuro. “Esta raiva é uma coisa muito má em termos de trauma comunitário. A raiva dá muita energia, mas no sentido destrutivo, no sentido de vingança. O número de armas a circular entre civis, a revolta, tudo isso vai ser um problema muito sério num futuro próximo”, afirmou a psicóloga.  

Diariamente somos confrontados com “imagens de muito sofrimento” que nos chegam da Ucrânia, que estão “a assustar os adultos que, por sua vez, transmitem a angústia e ansiedade às crianças”, que passam a olhar o mundo como um lugar onde “existe muita maldade e sofrimento, um mundo inseguro, injusto e onde é difícil viver”. “Cabe aos adultos regularem a exposição das crianças a estas imagens, evitar que estejam continuamente a assistir a estas imagens trágicas e explicar que há uma pessoa que há pessoas boas, que estão a sofrer, e há pessoas a tomar más decisões e a fazer sofrer”, aconselhou. No entanto, defende a docente, “não pode haver esta dimensão de o mundo ser um lugar inseguro”. “É preciso fazer as crianças voltar à vida, brincarem e lembrar as pessoas que estão a ser solidárias, mostrar que no mundo existem pessoas más e pessoas boas e lembrar que há russos em sofrimento também”. 

Depois de um período de isolamento e de receio, provocado pela pandemia da Covid-19, o impacto desta guerra é ainda maior. “A pandemia não era causada pela maldade humana e a guerra é, é violência interpessoal e, por isso, é mais difícil aceitar”, referiu. À vulnerabilidade que já estava instalada, em termos de saúde mental a guerra vem “acentuar a angústia, a ansiedade e a tristeza”, finalizou. 

Partilhe esta notícia
Liliana Oliveira
Liliana Oliveira

Deixa-nos uma mensagem

Deixa-nos uma mensagem
Prova que és humano e escreve RUM no campo acima para enviar.
Ouvido Externo
NO AR Ouvido Externo A seguir: Music Hal às 01:05
00:00 / 00:00
aaum aaumtv