“Há muita coisa que ainda desconhecemos e talvez não venhamos a conhecer nas próximas décadas”


Isabel Silva está de saída do Museu D. Diogo de Sousa após mais de quarenta anos de ligação ao espaço de referência na história da cidade bimilenar. No início da década de 80 chega ao museu que “tinha acabado de ser revitalizado, por uma equipa criada em final da década de 70”. Recordando os primeiros tempos, Isabel Silva conta que o museu “não tinha nada”, mas contava com uma equipa entusiasmada. O Museu de Arqueologia D. Diogo de Sousa viria a ser inaugurado oficialmente no ano de 2007.

“Foi um processo longuíssimo. Não havia nada, não tínhamos instalações próprias. Daí ate hoje foi um processo longuíssimo, com momentos atribulados, difíceis para todos, mas que conseguimos superar, com a convicção de que estávamos a fazer algo profundamente dinamizador do património da cidade e da memória. Olhando para trás, sinto-me privilegiada por ter feito parte dessa equipa e por termos conseguido fazer um longo caminho, de tal forma, que a arqueologia é hoje um fator de desenvolvimento importante para a cidade”, começa por lembrar a responsável que agora pretende usufruir do seu tempo livre para se dedicar a outros projetos.

“Tranquila” com o legado que deixa, nesta entrevista à RUM, a agora ex-diretora do Museu, lembra que naquele período existia “muito material” e pessoas “muito abertas à aprendizagem”, num processo que começou por ser “apoiado” pelo Museu de Conimbriga. “Começamos logo ali a trabalhar intensamente no restauro, na investigação, na criação de bases de dados”, detalha. Em simultâneo, nas Termas do Alto da Cividade passaram a promover-se atividades dedicadas às escolas do concelho, sensibilizando para a memória deste “legado comum”.

Isabel Silva assume “momentos de tensão” com os bracarenses que nem sempre tiveram a perceção da importância do património da cidade


Os primeiros anos da sua vida dedicada ao museu, que viria mais tarde a dirigir, são recordados com saudade e orgulho nesta entrevista à Universitária, mas também com algumas peripécias e momentos menos positivos.

“Foi um processo extraordinariamente longo. As pessoas sentiam as peças quase como um pouco suas. Foi um processo emocionalmente forte e marcante. As pessoas começaram a trabalhar com 16 ou 17 anos e em circunstâncias difíceis”, assinala ainda a responsável, admitindo que nos inícios de 80, a cidade “não tinha a perceção da importância deste património” o que levou a “momentos de tensão” relativamente à preservação dos sítios arqueológicos e das próprias ruínas que começavam a aparecer no centro histórico”. “Foram momentos épicos”, realça ainda a responsável.


Comparando aos dias de hoje, Isabel Silva fala num momento completamente distinto, com as pessoas a pedirem ajuda ao próprio museu e à autarquia, a cooperarem e até a obterem fundos para a preservação de património que vai surgindo com intervenções de recuperação de edifícios.

Isabel Silva não tem dúvidas de que os tempos são outros e de toda a importância que este trabalho de sensibilização teve na própria cidade. “Há uma consciência muito maior. Houve toda uma mudança para a qual também contribuímos e é muito gratificante. A cidade que conhecemos hoje está muito longe dessa realidade”, garante, embora reconheça alguns “pequenos conflitos entre interesses privados e públicos”. 

Braga é um exemplo para o país no que compete ao respeito pelo seu património

Referindo que as circunstâncias históricas “condicionam muita coisa”, a responsável diz que Braga “é a cidade de referência a nível da preservação do património arqueológico” no nosso país.

No entanto, não esconde que “há muita coisa que ainda não conhecemos e que talvez não venhamos a conhecer nas próximas décadas, porque o processo arqueológico está intrinsecamente ligado à evolução do próprio casco histórico e ao processo de construção e de desenvolvimento do espaço público”. “Vamos abrindo pequeninas janelas. Haverá uma reserva de conhecimento para as futuras gerações que também é saudável”, valoriza. Sublinhando que os processos de investigação melhoram com o tempo, Isabel Silva não duvida que o conhecimento será “mais profundo”.

 

“Mais do que em qualquer outra grande cidade, houve aqui uma conjugação de esforços, de instituições e de técnicos, no sentido de preservar, valorizar e integrar essa memória arqueológica”, reitera. Admitindo também que são necessárias outras formas de mediação, Isabel Silva fala com “orgulho” do que tem sido feito com o património da cidade. A Braga Romana, exemplifica, revive essa memória num momento de festa, de participação alargada e de homenagem, mas há também empresas que trabalham a valorização dos sítios arqueológicos, assim como a mediação e promoção, acrescenta. “Há uma conjugação extraordinária. Poucas cidades podem gabar-se de ter aquilo que nós temos. Isso deve orgulhar-nos”, afirma.

Entre as ambições nos anos mais recentes está a melhoria da mediação com os públicos, nomeadamente através da introdução de novas tecnologias. No entanto, são necessários “recursos” que a Direção Regional de Cultura ainda não disponibilizou. Isabel Silva refere que a questão decorre de outras prioridades, nomeadamente o investimento nas acessibilidades dos museus nacionais, assim como a sua preservação. “Estamos aquém do que gostaríamos ao nível da mediação”, constata, realçando também o público cada vez mais diversificado e informado que entra no museu diariamente colocando novas exigências às equipas que aqui trabalham.


OUVIR A ENTREVISTA COMPLETA DE ISABEL SILVA AO CAMPUS VERBAL

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Elsa Moura
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Abel Duarte
NO AR Abel Duarte A seguir: Elisabete Apresentação às 11:00
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