Música e teatro chegam aos palcos dos lares de Braga à boleia do ‘Lar doce lar’

O dia é diferente no Lar Conde de Agrolongo. A fila para o elevador, que nos leva até ao salão, deixa antever uma tarde cultural. O burburinho no corredor e o entra e sai de gente estranha à casa são sinal de que a Cultura bateu à porta. No topo do edifício a plateia já está a ganhar forma e ao longe avista-se um palco, já enfeitado pelo Tin.Bra, uma academia de teatro de Braga. O som ambiente marca o início da peça. Fez-se silêncio, porque o teatro veio ao lar. Assim tem sido desde outubro. Assim será até dezembro. À boleia do Lar Doce Lar, a música, o teatro ou o circo vão aos centros de dia e lares do concelho.
Estes momentos, são, para alguns dos utentes que aqui moram, o mais próximo que têm de uma visita. Sem retaguarda familiar, há casos de solidão, que a pandemia agravou.
Por isso, a iniciativa da Câmara Municipal é, para o vice-presidente da instituição, Fernando Barroso, “de enorme importância”. “Vivemos, nos últimos dois anos, grandes problemas com a pandemia, não havia atividades de animação, nem convívio entre eles”, acrescentou.
Este é precisamente o objetivo do Lar Doce Lar. De acordo com a chefe do gabinete do presidente, Ana Ferreira, a “estratégia Braga 2030 prevê o acesso à cultura a todas as franjas da população, porque, muitas vezes, os idosos que estão em lares e centros de dia não têm oportunidade de ir ao teatro ou a espetáculos de música”. A ideia do município é levar cultura às instituições do centro e das freguesias, não apenas em épocas festivas, como o Natal ou a Páscoa.
“Os idosos sentem que fazem parte e que vivem numa cidade com cultura”, acrescentou Ana Ferreira.
Se os idosos não podem sair para ir ao teatro, o teatro vai até eles. A ideia agrada a Fernando Barroso que apela à Câmara Municipal para que continue a “contemplar as instituições com estas atividades”. “O convívio intergeracional é muito importante. As pessoas precisam de conviver com crianças e jovens, porque muitos deles não têm família ou têm familiares idosos”, afirmou.
“Precisamos muito deste tipo de coisas”
No Lar Conde de Agrolongo, o teatro é muito apreciado dentro de portas e até há quem tenha já tenha estado do lado de lá… em cima do palco.
É o caso de Ana Sousa, que, aos 79 anos, tem morada nesta instituição há sete. “Muito bonito, gostei muito. Também já fiz teatro aqui. Desde que veio a Covid-19 não fizemos mais, mas gosto muito de teatro”, afirmou. A peça de teatro, “ A Manta”, tem como tema central a avó Aurora, que fez a dona Ana entrar na máquina do tempo e lembrar a sua avó, de quem tem “muitas recordações”. “São muito importantes estes momentos. Devia ser mais vezes”, atirou.
Aos 84 anos, Anabela Neto está no lar há menos de um ano e também ela voltou atrás no tempo. “Fez-me lembrar a minha avó a estender e apanhar a roupa. Achei interessante, foi engraçado. Quem esta habituada, como eu, a ser amadora, no Bombarral, fazíamos um teatro diferente. Também estava habituada a ir a Lisboa ver peças formidáveis”, revelou.
O casal Carlos e Arlete Caetano, de 80 e 79 anos, respetivamente, agradece a visita especial do Tin.Bra. “Moramos muito próximo é só subir as escadas”, brincou Carlos, para quem esta “é uma maneira de levar o tempo, deixá-lo correr devagarinho”. A esposa, Arlete, gostou da forma como os atores comunicaram a mensagem. “Eu fiquei sensibilizada a ouvi-los. Muito simples, mas o contexto era muito interessante”, disse. Arlete Caetano não esconde que estas coisas são necessárias para “preencher” o tempo. “Precisamos muito deste tipo de coisas. O melhor que possam e saibam fazer que nos tragam, porque aqui há um isolamento muito grande”, finalizou a idosa.
Do palco para a plateia, encontramos também uma avó Aurora. Aurora Costa tem 84 anos e está no Lar Conde de Agrolongo há cerca de quatro. “Achei bom. Foi bonito. Pelo menos passa-se o tempo melhor”, confidenciou. Aurora passa o tempo a fazer mantinhas para os bebés que hão de chegar à família. Aurora tem um neto no Algarve, mas confessa que quando ele vem ao Norte leva-a a lanchar. “Fico muito contente”, confessou.
“Temos casos de isolamento. Há pessoas que não têm visitas de familiares, porque não os têm”
O caso de Aurora não é, infelizmente, generalizado. “Temos casos de isolamento. Há pessoas que não têm visitas de familiares, porque não os têm”, explicou o vice-presidente da instituição.
Por aqui, no Lar Conde de Agrolongo, os dias são quase todos iguais. Divididos entre os trabalhos manuais, o teatro ou a jardinagem, cada um leva o tempo como quer. Mas o tempo, esse, às vezes custa a passar e, por isso, estas iniciativas dão outra dinâmica aos dias, conta Fernando Barroso.
“Braga é para todos. É mais uma iniciativa, e haverá outras em 2023 e ano seguintes, para promover a Cultura no concelho e torna-la acessível a todos”, finalizou Ana Ferreira.
Esta instituição conta com 197 idosos e todas as vagas estão ocupadas. Na lista de espera estão já cerca de duas dezenas de pessoas.
Depois dos aplausos, a cortina fechou. E todos voltaram às suas vidas…esperando uma nova oportunidade para que a Cultura bata à porta.
Programa:
29 de Outubro:
“Concerto”, pelo CAUM – Centro Cultural e Social de Santo Adrião (14h30)
12 de novembro:
“Concerto”, pelo GFUM – Asilo de São José (15h00)
“Concerto”, pela Azeituna – ResiSénior – ORPEA Braga (horário a definir)
10 de dezembro:
“Concerto”, pelo Grupo de Fados e Serenatas UM – ACR Cabreiros (14h30)
“Concerto”, pelo Grupo de Fados e Serenatas UM – Centro Cultural e Social de Santo Adrião (17h30)
