UMinho dá mais um passo sobre como o cérebro codifica o que é bom ou mau

Uma equipa da Instituto de Investigação em Ciências da Vida e Saúde (ICVS), da Escola de Medicina da Universidade do Minho, descobriu que dois grupos de neurónios, os D1 e D2, que se pensava trabalharem como rivais, tendem a trabalhar juntos perante estímulos bons ou maus. Estes neurónios fazem parte do circuito da recompensa, essencial na sobrevivência das espécies.
A pesquisa foi coordenada por Ana João Rodrigues e Carina Cunha, tendo a parceria de Rui Costa e Gabriela Martins, da Universidade de Columbia e do Allen Institute (EUA). Ana João Rodrigues explica foi avaliada “como é que era a atividade destes neurónios, que se sabe que são muito abundantes numa região do sistema de recompensa”. “Para isso, usamos microscópios miniatura de forma a conseguir seguir a atividade de centenas de neurónios ao longo do tempo, algo que há alguns anos atrás era impossível de fazer”, acrescentou.
Foi procurado compreender como é que estes neurónios respondiam durante a aprendizagem de associações positivas e negativas, similares à famosa experiência do cientista Ivan Pavlov que condicionou cães a salivar por comida assim que ouviam uma campainha. Neste caso, os cientistas treinaram os animais para associar um som específico com a entrega de uma recompensa ou um estímulo aversivo. Com surpresa, os D1 e D2 reagiram de forma similar ao longo da aprendizagem, não mudando drasticamente as taxas de resposta.
Com esta ferramenta, foi possível perceber como é que cada neurónio individual se comporta ao longo da exposição a estímulos, tanto positivos como aversivos, e da aprendizagem associada a estes estímulos. “Ambos os grupos de neurónios não são necessariamente rivais a processar estímulos negativos e positivos. Demonstrou-se, pela primeira vez, que os D1 e D2 responderam em conjunto a ambos os estímulos”, referiu a investigadora, Verónica Domingues.
No entanto, os investigadores alteraram as regras do jogo: o som já não era acompanhado de recompensa ou do estímulo aversivo. Com um laser de precisão nanométrica que “liga e desliga” neurónios específicos, os cientistas mostraram que os D2 eram fundamentais na adaptação à mudança. Ou seja, quando inibiram os neurónios D2, os animais demoravam mais tempo a “compreender as novas regras do jogo”.
A investigadora Carina Cunha destacou que “desvendar como o cérebro codifica e responde a pistas externas que predizem algo positivo ou aversivo é crucial para compreender melhor doenças como stress pós-traumático ou depressão. A mesma pista externa pode desencadear respostas muito diferentes consoante o contexto do indivíduo e das memórias associadas”.
Por exemplo, o som de fogo-de-artifício remete para momentos festivos e divertidos, mas para um antigo militar pode gerar uma crise ansiosa, relembrando a guerra, mesmo que este esteja em ambiente seguro. Esta capacidade de o cérebro resignificar estímulos externos com base em experiências passadas e ajustar-se a contextos revela a grande complexidade dos circuitos neuronais neste tipo de memórias.
Ana João Rodrigues menciona que, na próxima fase do projeto, “pretende-se encontrar marcadores genéticos que identifiquem os neurónios que codificam algo positivo e aversivo, para perceber o que é que distingue estes subtipos de neurónios.”
O trabalho foi cofinanciado pelo Conselho Europeu de Investigação, pela Fundação la Caixa, pela Fundação Bial e pela Fundação para a Ciência e a Tecnologia.
