Urgências caem mais de 50%

De repente, as salas de espera das urgências gerais esvaziaram-se, as das pediátricas também e as das ginecológicas obstétricas igualmente.
Os hospitais assistem ao que antes nunca viram. Os serviços de urgência a serem usados de forma racional e a exercerem as funções para os quais estão de porta aberta – a darem resposta a casos urgentes e com os tempos de espera reduzidos ao mínimo. Nas enfermarias, os internamentos também são menos e não há camas a mais nem macas nos corredores.
Por medo da epidemia ou por uma questão de consciência, cumprindo as orientações das autoridades de saúde no sentido de deixarem estes serviços só para situações graves de forma a não esgotar a capacidade do Serviço Nacional Saúde (SNS) na resposta ao tratamento dos doentes infetados com covid-19, os portugueses estão a provar que, afinal, o número oficial apresentado sobre falsas urgências, cerca de 40%, corresponde à realidade.
De acordo com o último relatório sobre o Retrato da Saúde em Portugal 2018, os hospitais receberam mais de seis milhões de urgências (precisamente 6 318 359), destes “40% dos atendimentos respeitam a atendimentos menos prioritários, pulseiras verde, azul e branca”, lê-se no documento.
O mesmo refere ainda que 6 023 845 utentes observados nas urgências tinham isenção de taxa moderadora.
Poderá esta pandemia mudar os hábitos dos portugueses? Poderá agilizar formas de funcionamento e outros mecanismos de comunicação nunca antes testados por não ter havido necessidade? O director clínico do Centro Hospitalar Universitário Lisboa Norte (CHULN) e o presidente da Associação Portuguesa de Medicina Geral e Familiar esperam que sim.
Para Luís Pinheiro, do CHULN, neste momento a avaliação que se pode fazer ainda “é meramente empírica, ainda sem qualquer estudo científico, mas o que se está a passar talvez possa criar um novo paradigma do que deveria ser a nossa cultura de utilização da urgência hospitalar e dos recursos de saúde”. E sublinha: “Penso que poderá ser um princípio do futuro. Espero mesmo que esta situação leve a que se mudem alguns hábitos dos utentes, nomeadamente a procurarem soluções alternativas à urgência hospitalar, como o seu médico de família e a linha SNS 24, porque podem encontrar nestas a resposta às suas necessidades.”
Rui Nogueira, presidente da Associação Portuguesa de Medicina Geral e Familiar (APMGF), diz ter “essa esperança. Estamos a usar mecanismos que não usávamos até aqui, como o telemóvel, o WhatsApp e até videochamadas em casos em que é necessário observar uma situação inesperada, mas também o fazemos porque conhecemos bem os nossos doentes, a nossa medicina é muito de proximidade. Talvez se possa continuar a usá-los para algumas situações e até para agilizar o funcionamento, mas não os podemos generalizar. Mas tenho esperança de que alguma coisa mude com esta pandemia”.
O DN garante que nos dois maiores centros hospitalares de Lisboa a queda nos atendimentos urgentes é idêntica. A média diária de 700 episódios por dia, juntando atendimento geral de adultos, pediatria e ginecologia obstetrícia, passou para 200.
O director clínico do Centro Lisboa Norte, que integra os hospitais de Santa Maria, o maior do país, e o Pulido Valente, explica ao DN que desde há uma semana – “a partir do momento em que a epidemia se instalou com mais intensidade e que o nosso hospital foi chamado a integrar diretamente o atendimento e o cuidado aos doentes com covid-19 – que a queda registada corresponde a cerca de 50% da afluência habitual”.
“Para nós, a urgência mais indicativa é a geral de adultos que, até há uma semana, recebia diariamente uma média de 500 a 510 episódios e agora está a receber à volta de 220, a pediátrica recebia uma média de 150 e agora está com menos de 50 por dia, o que representa uma queda de dois terços. Ou seja, esta média de cerca de 700 urgências registou uma queda de mais 50%. Este é o nosso valor médio real, que está muito próximo também do que deve estar a acontecer com o Hospital de São João, no Porto, e também o de São José, que pode ter menos urgências diárias de adultos, mas depois tem as pediátricas na Estefânia que são o dobro das nossas.”
O DN sabe que no Centro Hospitalar Universitário Lisboa Central (CHULC) os números são idênticos aos de Santa Maria. De uma média total de 700 urgências por dia, caíram para cerca de 200. A afluência está a um terço do habitual, explicaram-nos. No Hospital de São João, no Porto, foi-nos dada também a indicação de que a média de episódios era idêntica ao que se estava a passar em Lisboa, mas não conseguimos apurar números concretos.
Notícia Diário de Notícias, segunda-feira, 23 de Março
