Vencedora do Prémio Victor de Sá. “Estado surge como produtor de ilegalidades na emigração”

A vencedora do Prémio Victor de Sá de História Contemporânea 2022 acredita que o Estado surge, muitas vezes, como “produtor de ilegalidades” no processo de emigração. Marta Nunes Silva é a convidada desta semana do UMinho I&D. A investigadora do Instituto de História Contemporânea da Universidade Nova de Lisboa recebeu, esta quinta-feira, o galardão, no Salão Nobre da reitoria da Universidade do Minho pelas mãos do reitor Rui Vieira de Castro, pelo seu trabalho “O auxílio à emigração irregular para França e a figura do intermediário no interior rural português (1957-1974)”.
Na sessão promovida pelo Conselho Cultural da UMinho foram entregues menções honrosas do Prémio a José Luís Lopes e Francisco Henriques.
A sessão em torno da 31ª edição do prémio incluiu a apresentação de um documentário sobre Victor de Sá (1921-2004) e a apresentação de uma nova edição revista e atualizada do livro “O Mundo Continuará a Girar”, sobre os 30 anos do Prémio.
“O Estado surge como um produtor da ilegalidade”, afirma Marta Nunes Silva.
Esta é uma das ideias defendidas pela galardoada deste ano com o Prémio Victor de Sá de História Contemporânea. Neste trabalho, a investigadora do Instituto de História Contemporânea da Universidade Nova de Lisboa, relata e interliga duas histórias verídicas de intermediários de emigração irregular para França entre 1957 e 1974. Anos de dificuldades para muitas famílias portuguesas que viviam em ditadura. A ´fuga` para França significava ainda a passagem por Espanha, também este um país com um regime ditatorial, de Franco.
Quando questionada sobre as semelhanças entre intermediários dos anos 60 e os de hoje em dia, a título de exemplo, na passagem de Sírios e Africanos, a investigadora defende que o surgimento destas figuras acaba por resultar de políticas restritivas dos governos. “São eles que criam estas figuras ao fechar as fronteiras, ao impedir as pessoas de seguir o curso de vida que elas desejam”, defende.
Marta Nunes Silva explica, aos microfones da RUM, que a imagem que temos atualmente dos intermediários resulta das notícias que eram publicadas e divulgados durante o período do Estado Novo. Estas descrições ajudaram a criar a imagem de uma figura do sexo masculino, exploradora de pobres, um mafioso e agressor de mulheres. Ora, segundo a investigadora, esta ideia não está 100% correta.
Nas suas pesquisas em arquivos de Tribunais de Comarca, câmaras municipais e no Governo Civil da Guarda, assim como informações que conseguiu em diversas entrevistas, percebeu que esta atividade não era procurada apenas pelos mais pobres do meio rural. Além disso, existiram muitas mulheres intermediárias.
“Utilizavam o auxílio à emigração como uma forma de sobrevivência e de obter experiências que de outra forma dificilmente teriam oportunidade”, refere. No caso das mulheres, que tiveram as mesmas tarefas dos homens intermediários, foi a partir desta atividade que conseguiram empoderar-se e “viajar, ter experiências sexuais e, no que toca à alimentação, tive um relato de uma família que conseguiu comer, pela primeira vez, laranjas. Algo tão simples”, relata.
“A história dos incêndios. Os usos do fogo (1950-2020)”, é o novo trabalho em que a investigadora está envolvida.
Trata-se de um trabalho multidisciplinar que tem como objetivo “procurar processos históricos que estão por de trás destes novos regimes que nos parecem novos, vamos ver se são ou não, regimes de incêndios grandes e velozes. Já temos vários estudos sobre a ecologia do fogo, falta perceber como ordens políticas e científicas têm impacto nos meios rurais que ardem, assim como os usos que as populações dão ao fogo e como ele medeia as relações entre diferentes grupos sociais”, explica.
